quarta-feira, 28 de setembro de 2011

EPOPÉIA 20

Faaaala!
Então, eu vou continuar a contar a epopéia. Eu coloquei no último post, a “versão” da Stella sobre o momento que eu estava falando. Não podia deixar de publicar, né! Mas vou continuar do ponto que eu tinha parado, pra manter minha sequência. Assim fica mais fácil pra eu me organizar, sei lá! Então beleza...
Ao se confrontarem com essa opção, de tirarem tudo o que o tumor tinha atingido, eles acharam por bem me acordar. Afinal, pra uma decisão como essa, eu teria que participar, pensaram. Eu entendo. Minha família achou que seria mais fácil, que teria como me trazer de volta a consciência. Mas não rolou. Ao tentar fazer isso, eu demorava muito, e não tinha forças. E rolava aquilo que a Stella descreveu. Eu não tinha condições. Essa volta de sedação/meio coma induzido, é bem sofrida. Tem abstinência dessas drogas que te capotam. Mas, ao mesmo tempo, eu não tinha condições de enfrentar a cirurgia. Acabou que eles desistiram da idéia de me trazer de volta, pra essa “consulta”. E também, o que eu tinha pra decidir? Era tirar o intestino ou deixar o tumor lá e eu empacotar! E mesmo que, em um momento de desespero/saco cheio/depressão, eu falasse que não queria fazer a cirurgia, que preferia a outra “opção”, alguém aceitaria? Claro que não! E logo depois, eu tive uma leve melhora no meu estado clínico, mas bem de leve mesmo, e eles resolveram arriscar a cirurgia. Eu imagino que, mesmo sabendo da situação, devem ter rezado muito pra não precisar tirar o intestino inteiro. Mas não deu. Acabou que, além do intestino, foi extraído um pedaço do pâncreas e metade do estômago.
Passado algum tempo da cirurgia, não sei ao certo quanto, eu comecei a retomar a consciência. Mas não fazia idéia do que tinha rolado. Na verdade, eu não sabia nem que tinha ido pra cirurgia. Eu estava tendo minhas viagens, em outro nível de consciência. E dessa vez, o que rolou na minha cabeça não foi tão absurdo, como da outra vez, em que eu viajei pelo Brasil inteiro! Foi mais ou menos assim o que eu vivi no meu sonho: A Stella estava vindo para o Brasil nos visitar. E a gente ia fazer uma brincadeira com ela. Quando ela chegasse, eu ia fingir que estava internado no Sírio. Antes, o Daniel ficou uma semana internado, também por brincadeira. Não me lembro qual era a graça da nossa idéia. Mas no sonho fazia sentido e era maior legal! O plano era eu ficar dois dias internado. O Sírio, no sonho, era do lado do aeroporto de Guarulhos. Então, a Stella chegaria e eu estaria lá! E, repito, não lembro qual era a sacada. Só sei que deu tudo errado! Quando a Stella chegou, o combinado com o Sírio era eu ser liberado logo depois. Mas aí não conseguíamos a alta. Sempre iam atrasando, falando que o enfermeiro responsável não estava naquele turno... O médico estava vindo... Iam enrolando a gente. E o clima ia pesando. No começo, só o Daniel e o Dudu entravam no quarto pra falar comigo. E eu via, através das portas translúcidas do quarto (só no sonho era assim!), minha família brigando. Meu pai estava puto e falava: “eu voltei a fumar por causa disso, seus irresponsáveis!” E chamavam vários médicos diferentes, xingavam, e nada. “Ele já ficou muito tempo internado, vocês não sabem o que esse menino já passou!” eram umas das frases em meio a discussão! Lembro que aí foram buscar a Jack pra ajudar a convencer a me liberarem. A idéia era mostrar o sofrimento da minha namorada, sei lá. Não adiantou. Depois veio a Stella. E ela estava puta da vida, pois acho que já tinha voltado pra Glasgow, e teve que voltar por causa disso! Depois apareceram os pais da Jack pra brigar. Depois os pais da Andrea, minha cunhada! Foi uma barbárie! E eu ficava ouvindo as discussões.
Mas era, sei lá, engraçado, que ficava todo mundo, minha família, me enrolando, dizendo que não tinha ninguém lá fora, que estava tudo bem. E eu fingia que acreditava! Mas o lance é que eu fui ficando ruim, já que não me liberavam, e eu estava deitado o tempo inteiro, sem comer e tal. Aí o bicho pegava do lado de fora do quarto. E minha mãe ficava toda se sentindo culpada. Ela não se conformava de ter me deixado fazer essa bricadeira. Antes, a gente ficou pensando que eu iria ficar internado na brincadeira e, a princípio, não era pra eu ficar de jeito nenhum. Mas no fim foi indo, foi indo, e acabou fondo! rs Meu, eu estou tentando lembrar, porque fazia sentido, era legal nossa idéia. Mas não tenho noção do porque!
Como eu fiquei ruim, resolveram me manter internado. Eu fiquei puto, pois estava a alguns dias pedindo pra assinarem a alta, pra pararem com a brincadeira! E tinha um lance estranho. Eu não conseguia engolir saliva! Mas no sonho não tinha nada na minha boca. Claro que, fui descobrir depois, nessa etapa do sonho, eu estava com aqueles tubos gigantes na garganta e tal, por causa do pulmão. Mas o que eu vivi foi que eu não engolia a saliva, não conseguia, e ia acumulando na minha boca. Meus irmãos entravam e falavam “Vai Rê, é só se concentrar, vai!” Mas não rolava! Lembro que a Stella entrou e disse “Ah, vai, pára com isso, não tem nada aí pra você engolir, isso é coisa da sua cabeça!” Eu ficava bravo com a Stella, e tentava brigar, mas só saía resmungue! Eu não conseguia pronunciar uma palavra de forma compreensível. E na hora que eu conseguiria engolir a saliva, no sonho, eu não o fazia, só de birra! rs Não queria que ela achasse que era frescura minha, e que eu tinha parado de fazer manha porque ela tinha me dado bronca! O lance de saliva foi virando o enigma do momento. “Porque ele não consegue?!” E tome exames! O tempo ia passando e eu não saía do quarto. Uma hora, virei pro Daniel e falei, puto “porra, estamos aqui a mais de três dias, e não me liberam!” E o Daniel “Não Rê, não é tanto assim, são – sei lá – vinte horas, apenas” Eu não acreditei e ele me mostrou o relógio da tv. Aí fiquei quieto!
E teve, também, uma treta com os médicos e enfermeiros. Eles – na minha cabeça – estavam reutilizando uns materiais. Era um lance que todos no hospital faziam, todos sabiam e não pegava nada, mas que acabou sendo descoberto. Então, um enfermeiro intimava o outro, pagando de honesto, mas eram todos do mal! Tinha algum esquema de cadastro de sistema, que “denunciava” de quem foi a falha, quem tinha reutilizado a agulha. E a partir do momento que alguém da minha família acusou, começou uma caça às bruxas. Chamaram a chefe das enfermeiras no meu quarto, confrontaram ela com os médicos. Deram um baita esporro e ela começou a ser minha enfermeira diretamente. Quando eu apertava o botão pra chamar uma enfermeira, elas fugiam. Ficavam com medo. Falavam pra mim “ai, sempre fiz tudo com tanta atenção, agora me questionam!” E quando entravam no quarto, diziam “ah, você é o Renato Consoni, aquele paciente encrenqueiro?!” Aí, o que aconteceu foi que todas as enfermeiras fizeram um treinamento intensivo, e boa parte das antigas foi mandada embora. E eu virei o paciente mais famoso e complicado do hospital. Mas lembro que, na minha primeira internação, ainda no São Luiz, em 2008, eu também fiquei famoso. rs Eu era chamado de “o louquinho da UTI!”. Mas não lembro se era viagem minha, ou se me chamavam assim, mesmo! No caso que estou contando agora, era parte da minha viagem. Eu acho!
E paralelamente, tem as coisas que aconteciam de fato, enquanto eu estava inconsciente, a babar, mas que eu só fiquei sabendo depois, quando me contaram. A mais barbárie foi a história da enfermeira do batom vermelho. Meu, acho que essa foi a pior desses três anos! Eu passei uns dias sedado, entre o momento em que a infecção virou sepsemia e a hora da cirurgia. Fiquei meio indo no banho-maria, sem ter qualquer reação a qualquer coisa. E eles falam que tinha uma enfermeira muito estranha, loira - amarelo feio -, que andava com o batom no uniforme. Ela retocava o batom a cada cinco minutos. E usava um perfume muito forte. Claro que quase não chamava a atenção! Aí, em uma das noites, ela ficou responsável por mim, na UTI. Não dormia ninguém comigo nesses dias em que eu estava “longe”. Na manhã seguinte, o Dudu e a Jack foram os primeiros a me ver. Falaram que, ao chegar, eu estava sozinho, e com marcas de batom no corpo inteiro! Sério! Na bochecha, no pescoço, na barriga... Juro! De verdade! Meu, muito barbarie! Eu lá, podrão, todo inchado de cortisona, com tubo na boca e onde mais você possa imaginar - não, lá não! E a mulher na barbárie! Sei lá, mas meio sinistro, vai! A mulher tem tara por pessoas em estado quase fim de carreira!  E ela era toda cuidadosa, amiga da minha família inteira, da Jack também! Ah, antes que alguém pense... Não, não era nada que pudesse chegar perto de ser chamada de bonita. Em nenhuma hipótese, nem com muito amor no coração. E o pior é que, depois, em uma das minhas internações de 2010, me mostraram quem era a louca! 

Mas enfim, era isso que estava rolando, na minha cabeça e fora dela, nos momentos que antecederam a cirurgia. Até que – no meu sonho - entraram no quarto me falando que o lance de eu não conseguir engolir saliva era um problema grave, e talvez fosse necessária uma cirurgia. Então, como eu estava dizendo antes de contar os sonhos, eu acordei da cirurgia sem ter a menor noção do que tinha rolado, de fato. Estava achando que tinha ido fazer um procedimento simples, pra corrigir um refluxo, ou algo do tipo.
Então é isso! Depois eu continuo! Espero que não tenha ficado muito confuso! É que foi isso que rolou, uma grande confusão, mesmo! E é difícil colocar isso de uma forma mais compreensível, mais linear, sei lá... E olha que eu revisei umas cinco vezes esse texto pra deixar ele melhorzinho ...
Beijo e abraço pra todo mundo!

domingo, 25 de setembro de 2011

EPOPÉIA 19

Opa!
                É o seguinte: quando a Stella leu o ultimo post do blog, ela me mandou UMa mensagem. Eu gostei muito dela ter falado/escrito isso, então vou publicar aqui. Acho legal essa visão dela e das pessoas que viveram isso junto comigo, bem de perto. Porque muito do que eu conto das horas em que eu estava “longe”, foram essas pessoas que me lembraram, ou contaram o que eu nem sabia pra lembrar.. Enfim, vou reproduzir abaixo essa mensagem da Tetuditchous, que na época era filha e irmã. Agora é filha, irmã e mãe! Heheh. É que eu estava viajando nisso, esses dias... Assim, você nasce e é filho, no máximo irmão. Depois vai acumulando funções, né, vira mãe/pai, depois avó/avô... E vai indo, até onde você aguentar! heheh
“Li seu blog. Essa parte da epopéia foi foda. Dá até arrepio de lembrar. O Fabio mostrando pra genteo raio-x do seu corpo e mostrando o que o tumor tinha tomado. E falava da única solução, que era tirar o intestino. E você apagado.
                E lembro da gente no escritório do Paulo Hoff, ele dando três alternativas: não fazer nada; tirar o tumor, o intestino e o que o tumor tomou, imediatamente; ou te acordar, e esperar todo aquele processo da droga sair do seu corpo, pra você ganhar consciência e a gente te perguntar o que você preferiria fazer: nada ou tirar o tumor e tudo o que viria junto.
                A gente saiu da sala e discutiu, tentando adivinhar o que você preferiria. E você lá, apagado, vomintando verde, bem mal. A gente decidiu que não faria sentido te fazer acordar e ganhar consciência, porque isso demoraria pelo menos uma semana. E você não agüentaria, você estava muito mal.
                Nesse dia, ou no dia seguinte, eu consegui dormir com você no quarto. Foi difícil, mas eu ganhei da mãe. Voê passou muito mal, dava medo. Eu ficava lá em pé, ao seu lado, segurando sua mão e chorando. Enxugando  seu suor. Você suava bastante.
                Você parecia estar piorando. Até que o Fabio apareceu, de madrugada, e me viu lá, chorando e enxugando o seu suor, e você vomitando verde. E eu disse: ‘opera ele, logo’. Ele respondeu: ‘é a decidão da família?’. A gente tinha meio que decidido operar logo, eu lembro agora. Mas ainda na dúvida se devia ou não te acordar. Minha opinião era de não fazer você acordar. Eu tinha certeza de que você escolheria a mesma opção. Eu respondi a ele que sim, era a decisão da família. Na manhã seguinte bem cedo, ou depois de algumas horas, teve uma reunião com o Fabio, o Paulo e time deles. No mesmo dia, eu acho, a noite, se não me engano, rolou a cirurgia.
                Eu já tinha adiado minha passagem de volta. Falei com meu chefe pra tirar mais uns dias. Mas o dia que eu marquei a volta coincidiu com o dia da cirurgia. Foi foda, você estava sendo operado e eu no avião. Foi foda. Eu me arrependi muito de não ter adiado mais uma vez a passagem. Quase fiz uma cena de filme, quando estava todo mundo a bordo, o avião prestes a decolar, eu quase falei que queria desembarcar! Foi foda!”
                É isso aí! Minha irmãzinha contando o que eu tinha contado, através de um outro ângulo muito importante. Depois eu continuo a Epopéia.
                Ah, e agora vou colocar mais umas fotinhos do meu sobrinho Cauê!

Vovô conhecendo o neto... Olha a cara dele!

Stella com cara de Stella! Ainda na maternidade.

Quando soube que o Coringão perdeu a liderança, gritou, xingou todo mundo... Ficou puto!

terça-feira, 20 de setembro de 2011

EPOPÉIA 18

Opa!
                Então, como não tenho nenhuma novidade assim, mais interessante, vou continuar contando a epopéia. Eu parei na época do réveillon, de 2008 pra 2009. Eu tinha tirado metade do intestino, 90 cm, uns dois meses antes. Logo, foi uma aventura essa viagem. Quando voltei, estava razoavelmente bem. Muito magro, mas com energia e tal. Continuava tomando Glivec, e nada de o tumor se incomodar. Lá pra julho foi quando eu fiquei melhor. Entrei num acordo com meu corpo, entendi o que ele precisava, cheguei ao meu peso antigo... Tudo bem. O ano de 2009 foi um eu passei praticamente todo sem ser internado, eu acho. Acho que, até novembro, foi o melhor ano da epopéia. Nem lembro de ter tido uma internação. Eu até comemorei isso. Falava pra todo mundo: “sabia que faz um ano que não faço cirurgia?!” Pra mim, era legal falar, sempre ouvia um “aeeee, agora acabou!!!” Eu adorava dar notícias boas. As pessoas vibravam comigo e tal. E eu ia tentando retomar a vida, fazendo minhas entrevistas de trabalho... Cheguei a ir pro Rio, pra uma entrevista com os Médicos Sem Fronteiras. Pra trabalhar com captação de recursos, que é o que procuro hoje. Ia ser animal se tivesse rolado! Mas, por tudo o que aconteceu depois, não era pra ser. Ainda.
                Em novembro, vieram, da Inglaterra, dois amigos da Stella. Era o John e a mulher dele, que não lembro o nome, acho que era Neha. Ela era do Quênia e ele, inglês. Eles iam fazer um mochilão pela América do Sul, e a primeira parada era São Paulo. O réveillon eles passariam em Copacabana! Assim, eu adoro o Rio, Copacabana. Já passei um réveillon em Copacabana, e pretendo passar outros. Mas os dois não eram agilizados, de se virar e tal! Não tinham noção da barbárie que é a virada, lá! Achavam que iam curtir uma prainha, tranqüilos e românticos... E eles iam chegar no dia 30 de dezembro! Fiquei imaginando as propagandas que devem passar lá na Europa, sobre esse réveillon! As imagens da praia devem ser feitas numa quarta-feira do mês de julho, né!
Bom, aí eu os busquei no aeroporto, e eles passariam o fim de semana aqui em casa. Fiquei dando uma de guia pela cidade e tal. No domingo, os levei num restaurante de comida baiana, na Vila Madalena. Soteropolitano, chama. Quando cheguei, estava me sentindo meio mal. Meio enjoado. Não consegui comer direito. Como que de ressaca, eu achei. Mas tomei muita Coca. Umas três latinhas. E me deu dor no corpo, febre e dor de cabeça. Parecia uma gripe forte. Voltei pra casa e capotei na cama. Acordei, no começo da noite, melhor. Aí resolvi pedir uma massa, pois não havia comido nada, praticamente o dia inteiro. Até que comi bem. E fiquei o resto do dia me sentindo razoavelmente bem. No dia seguinte, logo cedo, tipo seis da manhã, fui ajudar os gringos a pegar um taxi pro aeroporto... Meu, por isso que eu estava preocupado com o reveillon deles! Eles não se viravam, sabe? Imagina em Copacabana, na virada! Bom, mas beleza... Voltei a dormir, claro, e quando acordei de vez, estava bem. A Jack não queria, mas a convenci a ir pra faculdade, pois eu não sentia nada de errado. Logo que ela foi, resolvi dar uma arrumada em casa, já que os meus pais estavam chegando da fazenda, e a casa estava uma bagunça. Os gringos se mostraram muito folgados. Pra ter uma idéia da zona, deixaram toalha molhada em cima da cama... Não lavaram nem uma colher! Minha irmã diz que é um lance meio cultural. Parece que eles estão acostumados a não arrumar as coisas quando estão viajando, que é normal isso. Eu não sei, não! Achei que o combinado era eu ser apenas guia turístico, e não faxineiro do casal. Mas beleza, fui dar uma geral na casa.
 Quando estava arrumando a cozinha, comecei a me sentir meio mal, com um pouco de frio. Mas estávamos em novembro, em dias quentes. Terminei e fui tomar um banho, pra ver se passava. Não passou. Então fui deitar. Nisso, o Du ligou, pra ver se estava tudo bem. Ele almoçou com a gente no domingo, e viu que eu passei meio mal. Eu disse que estava, sim. Mas deu dez minutos e eu comecei a tremer. É, aquela tremedeira famosa, a bacteremia. Já expliquei bastante. Mas, recaptulando: É aquela que dá quando a casa cai! Você treme inteiro porque está com uma puta infecção generalizada. Mas treme mesmo, das orelhas aos dedos do pé! Aí, na hora já liguei pro Dú pra ele vir me buscar e levar pro hospital. Enquanto ele vinha, fui tentando controlar a tremedeira, senão não conseguiria chegar ao carro. Como era a 598751  vez que isso acontecia, eu fiz a tremedeira parar. Ele chegou muito rápido! Sério, deve ter tomado umas dez multas! Acho que falei assim pra ele no telefone: “vem pra cá que fodeu!”. É que eu não conseguia falar, e foi a melhor forma de resumir! E fomos pro Sirio. Chegando lá, a Daniela, assistente do Paulo Hoff, ao me ver, já me mandou pra UTI. Eu estava com a pressão “daquele jeito”, devido a uma sepsemia, que é a tal da infecção master mega trash plus rock’n’roll!
Nessas horas, uma coisa muito chata é dar a notícia pras pessoas. Claro, né! Como falar isso de uma forma suave pra quem sofre muito ao saber dessas coisas. Comecei pela Jack, que, tadinha, ficou toda se sentindo culpada por ter me deixado em casa. Mas nada a ver, já que eu que falei pra ela ir embora, porque estava bem! Ela ia adivinhar? Depois fomos avisar meus pais. O problema era que eles estavam na fazenda, em São Joaquim. Pra não deixá-los muito tensos e ansiosos na estrada – já que era óbvio que voltariam correndo quando soubessem – o Dú falou que eu tinha passado um pouco mal. Mas não disse nada de UTI. Depois disso, na UTI, já me sedaram. E falar pro Daniel, pra Stella e pras outras pessoas, foi problema pro Dudu! Eu soube depois que ele só falou pros meus pais que eu estava fodido e mal pago, quando eles chegaram ao hospital.
O que rolou, foi que os exames mostraram que o tumor tinha dado xeque-mate. Filho da puta. Ele barbarizou lá dentro, de forma que eu tive várias lesões e furos no intestino, vazou líquido e infeccionou tudo. Ele já não se restringia ao intestino. Estava pegando um pedaço do pâncreas, já tinha chegado ao estômago e estava chegando ao fígado. Ou seja, ou tirava o tumor, ou eu morria, pois ele estava matando os órgãos. Enquanto isso, eu permanecia apagado. Então, começaram a falar das alternativas. Ou a alternativa, já que a única opção era tirar o intestino inteiro, tudo que tivesse entre o duodeno e o reto, mais um pedaço do pâncreas e outro do estômago. Com essa notícia, todo mundo ficou meio atordoado. Nunca haviam nos falado disso, e pareceu algo surreal, meio bizarro mesmo! Como assim ficar sem intestino? E se fizermos um transplante? Não é possível transplante, diziam os médicos envolvidos. Imagina a discussão que não rolou! Minha família questionou muito e não teve respostas muito esclarecedoras. Muito menos, confortantes. Ouviram, inclusive, que era algo esperado. Essa situação, causada pelo tumor, era prevista! O que eles fizeram esse tempo todo, foi tentar adiar ao máximo que eu tivesse que extrair parte da minha barriga! Mas eles entendiam que isso era inevitável. E como eles falaram isso só naquela situação? Se eu não deveria saber, então quem deveria? Não era uma informação importante? Falaram, também, que transplante de intestino não era algo viável. E que, se existisse, era algo muito experimental e de altíssimo risco. Enfim, essa é só mais uma, não a primeira, das incoerências com as quais nos deparamos nessa intensa relação com médicos. Mas isso eu falo em um capítulo, separadamente. É um assunto delicado demais, que pode expor muita gente. Mas é minha história, diz respeito a mim, então eu posso falar. Mas, voltando, naquele momento, isso tudo  manteve uma boa dose de “ih, fodeu” no ar.
Mas depois eu continuo, senão fica muito longo esse post e ninguém agüenta, né! Beijo pra todo mundo!

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Ooooopa!
                Então, hoje faz um ano que eu cheguei nos EUA, para realizar o transplante. Um ano! Lembro direitinho como se fosse ontem... Ou hoje, já que é hoje que se completa esse ano, né!
                Eu estava pensando em o que fazer em relação a esse ano que completou-se hoje. Cantar “adeus ano velho, feliz ano novo”? Pode ser. Mas sóbrio, é difícil. E falar sobre aconteceu durante esse ano não faz sentido, já que está tudo aqui, no blog. Achei que seria legal, então, trazer o que se passou nesse dia, um ano atrás. Achei que assim estaria ilustrada, também, a grande mudança que rolou durante esse tempo. Pelo contraste entre esses dois 02/09. Isso porque, em 2010, esse dia foi cheio de chateações – pra ficar numa palavra menos dramática. Assim como eram meus dias nessa época. E agora, em 2011, estou aqui, escrevendo logo depois de comer um sanduíche do Subway. Normal, o sanduíche não tava muito bom. Mas estou aqui, fazendo minhas coisas. Minha maior preocupação é que, daqui a pouco, tenho que ir pra fisioterapia. E está puxada a brincadeira!
Mas voltando a 2010. Foi uma vitória por simplesmente termos chegado. Depois de um dia em que, enquanto organizávamos os últimos detalhes da viagem, eu me sentia meio aéreo em casa, sei lá, meio anestesiado, nós fomos ao aeroporto. Minha família, a Jack e a mãe dela, Regina. O frio na barriga começou a ficar forte já na hora de me despedir das pessoas. Estávamos todos meio preocupados. Ninguém sabia como eu reagiria ao vôo. E sabe aquela hora em que você entra pra embarcar, e fica vendo as pessoas do lado de lá, dando tchau? Então, antes tinha uma parede de vidro, você via todo mundo. Agora só tem uma brechinha, da passagem, pra você curtir a melancolia da despedida. Foi aquela coisa, anda um pouquinho e vai olhando pra trás, pra ver se eles ainda estão lá, dá um tchau. Olha pra frente, anda com a fila, e olha de novo pra trás. Mais um tchau e algumas palavras choradas, esquema leitura labial. Enquanto isso, a Stella ia explicando que a mochila que eu levava não era uma bagagem de mão e tal. E outras dúvidas dos bedéis do aeroporto. Que eram muitas, já que era uma situação meio diferente, claro. Minha mãe tentava ajudar, mas estava, talvez, até pior do que eu. E eu ia olhando pra trás, com a angústia de serem os últimos instantes que veria aquelas pessoas, por um longo periodo. E estava todo mundo tentando disfarçar a cara de choro. De certa forma, disfarçar tristeza não era nenhuma novidade. Sempre que estavam ao meu lado, as pessoas tentavam camuflar o sofrimento, desconforto até, que sentiam observando a minha situação. Eu sempre me ligava, mas também fingia que estava tudo bem. Era minha forma de retribuir o esforço, eu acho! E, naquele momento, o pior era que ninguém sabia ao certo o que iria acontecer, em que condições iríamos nos ver novamente, muito menos quando. Eu tinha certeza que veria as pessoas novamente. Mas sei lá, fica aquele medo de dar merda, né!
Quando passamos para a sala de embarque, eu fui para o canto com minha mãe, pra me conectar a nutrição parenteral. Já havíamos preenchido o tubo da bolsa antes de ir para o aeroporto. É bem importante isso, pois não pode haver bolha. Se tiver, a bomba de infusão começa a apitar... Aí já viu, né! E colocávamos uma extensão nesse tubo, que saia da bolsa de parenteral até conectar-se ao cateter em mim. Era pra ter uma margem maior pra eu me distanciar da mochila. Por exemplo, pra quando eu estivesse dormindo, poder me mexer um pouco mais na cama sem correr o risco de arrebentar o tubo. Até porque, muitas vezes, eu esquecia que estava preso e saía andando, pra ir no banheiro, por exemplo, e deixava a mochila no chão. Alías, isso aconteceu algumas vezes, de eu sentir um puxão no peito e “ops, a mochila!”. É, normal pra um lesado como eu, vai!
No fim, isso durou uns dez, quinze minutos, sentados nas cadeiras ao lado do guichê de embarque. Isso porque minha mãe estava ninja nesse processo. Fiquei meio constrangido de levantar a camiseta e tal, no meio de tanta gente curiosa. Um dos momentos em que me senti meio ET.
Fomos de classe econômica. Até porque já havíamos deixado as calças e as cuecas pra pagar o transplante! E como havia apenas um mês da minha última internação paulistana, eu estava bem fraco. As costas doíam. Nossos assentos eram um em cada canto do avião. Mas, durante o vôo, acabaria a infusão e eu precisaria desconectar. E não dava pra fazer isso sozinho. Aí, por sorte, uma mulher que estava ao nosso lado, percebendo a situação, se dispôs a trocar de lugar com minha mãe. Fiquei mais tranquilo. Mas foi só chegar o jantar que ferrou. Quando as pessoas ao meu lado abriram o plástico do marmitex de avião, subiu um puta cheiro de comida. Meu, na hora eu senti um enjôo absurdo. Corri – e lembrei, sim, da mochila - pro banheiro, mas tava aquela porra daquele carrinho da aeromoça no caminho. Aí vi uma das vantagem de ser magrelo. Sério, consegui passar entre o carrinho e as cadeiras. A aeromoça não acreditou! O foda foi o olhar das pessoas, assustadas do tipo “ih, esse moleque vai vomitar na minha janta!” E foi quase, mesmo. E pra quem está pensando “o que ele vomitava, se não comia nada?” Pois é! Eu vomitava suco gástrico e afins.
O resto da viagem foi apenas chato como qualquer viagem de avião. Ia, de tempo em tempo, esvaziar a borseta no banheiro. Imagino o que pensavam ao me ver andando de lá pra cá com aquela mochila. E ficava procurando uma posição confortável. É, porque sou magrelo, mas sou comprido, né! Aí pousamos em Miami. De lá seguimos pra Charlotte. E de Charlotte, finalmente, fomos pra Indianápolis. Acho que já falei sobre as aventuras na alfândega dos EUA. É, foi tão legal quanto vocês possam imaginar: “ah, nutrição parenteral... Posso ver?” Ao chegarmos ao hotel, eu nem acreditei. Um baita alívio.
De lá pra cá aconteceu muita coisa. Muitos percalços, como escrevi aqui no blog. Mas conhecemos pessoas incríveis. Aconteceram coisas incríveis. E agora vai ser assim. Esse furacão vai estar cada vez mais distante de mim. A parte difícil ainda provoca alguns reflexos. Mas estão cada vez mais fáceis de lidar. O que está se fortalecendo é o lado meio bonito dessa reviravolta. Essas coisas boas que aconteceram - sim, tem o lado bom, em tudo -  quero continuar cultivando. Sempre. E aprendi coisa pra caralho nesse ano que passou! Desculpe a palavra! E é isso, quero deixar a parte ruim disso tudo numa gaveta. E, de vez em quando, eu abro e dou uma olhada, pra me fortalecer em relação as dificuldades que aparecem. É aquele lance que eu já escrevi. É bom eu me lembrar desses momentos, quando penso em, sei lá, como estou mais magro, ou qualquer outra coisa que me incomode. É a parte boa dessa história toda: esse meu novo parâmetro, que eu vou levar pra vida toda.
E alguém pode pensar: “mas porque recordar dessas coisas tristes, e ainda escrever sobre elas?” Justamente pra deixá-las pra trás. Pra mim, escrever é a melhor forma de superar de vez. Tem gente que pinta um quadro, outros escrevem uma música, sei lá. Eu não levo jeito pra artes. Mas escrever é muito bom, uma terapia. Aliás, isso eu descobri também um ano atrás, quando publiquei o primeiro post desse blog. É isso, um ano!