quinta-feira, 6 de outubro de 2011

EPOPÉIA 21

Oooopa!
Então, vou continuar com a Epopéia! Pra não perder o embalo! rs
Bom, então eu acordei da cirurgia, achando que tinha ido fazer uma cirurgia simples, só pra resolver o lance de não conseguir engolir saliva! Quando vou ver, estou todo cheio dos tubos em uma sala, sozinho e sem conseguir falar. Aí, corta - é assim que eu vivia o lance, sem muita conexão entre os momentos. Eu via as pessoas da minha família, mas não me comunicava com ninguém. Não conseguia falar nada. Eu só observava, bem lesado.  
Até que uma enfermeira veio e perguntou “como é que está o corte?”. E eu levantei a camisola... ou avental, sei lá como chama essa elegante vestimenta. Nisso, eu vi um monte de esparadrapo e comecei a tirar. “Que porra é essa?”, eu pensei. Aí eu vi um pedaço do “x” que estava na minha barriga. Mas eu estava tão lesado ainda, que só pensei “ih!” E nem fiquei tentando adivinhar o acontecido. Como eu disse, não tenho muita noção do tempo que levou de um momento ao outro. Mas depois disso apareceu o Fabio Ferreira, que havia feito a cirurgia. Perguntei, daquele jeito, o que tinha acontecido, e ele disse que minha família viria me explicar depois. Que eu devia ficar quieto por enquanto pra recuperar, pois havia sido uma grande cirurgia. E realmente, eu estava sem voz, só sussurava um pouco. E não entendia direito as coisas. Mas ele disse que eu estava bem. Minha família estava esperando que eu pudesse conversar melhor, pra então me contar o que tinha rolado.
Mas eis que adentra ao quarto da UTI uma médica da equipe de assistentes do Paulo Hoff. Nós as chamávamos, carinhosamente, de Pauletes. Não por nada, apenas porque eram várias, e assim ficava mais fácil. Ao invés de falar “aquela, que eu não lembro o nome, da equipe do Paulo Hoff...” Você vê que “Paulete”, facilitava, né? Pois é, foi só por isso. E eu perguntei pra ela, assim como fazia sempre que via alguém, o que tinha acontecido:
- Você não sabe, ainda?
- Não!
- Tiraram o tumor inteiro!
- Puta merda, que animal, sério?
- Sim! Mas tiraram seu intestino, também!
- Ãh?
                Aí eu fiquei um tempo olhando pra minha barriga. Não caiu a ficha, por uns minutos. E depois eu até parei de pensar nisso. Acho que minha cabeça ainda estava voltando a funcionar depois da cirurgia, sei lá. Não fazia as sinapses, sabe?
                Quando minha família ficou sabendo que ela tinha me falado, assim, sem muito jeito, ficaram bem irritados. Queriam dar a notícia da forma mais suave possível. E correram pra tentar melhorar a situação. Não sei, mas acho que a primeira pessoa que apareceu depois disso foi meu pai. Eu ainda estava com dificuldade pra falar, e pra entender as coisas. Mas esse momento eu lembro direitinho... Bom, isso se o lance aconteceu como eu tenho guardado na memória, né. Tem muita coisa que eu lembro de um jeito, e quando comento com alguém que estava junto, me falam que foi diferente. Essas paradas que dão pra te sedar e você dormir, demoram a parar seu efeito. Depois que você acorda, fica tudo confuso por um tempo. E quando meu pai entrou, foi quando eu estava melhorzinho, conseguindo entender o mínimo. Mas logo cansava de falar, a voz parava.
                Então ele me explicou o que rolou. Foi a primeira vez que me explicaram, mesmo. Antes disso, a Paulete tinha apenas vomitado a informação. Mas me lembro que, da mesma forma que nas outras cirurgias, eu me senti mais bem do que mal ao perceber que sobrevivi de algo difícil. A primeira sensação que vem é de vitória. Até porque você ainda está meio anestesiado, física e psicologicamente. Então não sofre, e nem imagina o que vai sofrer. E sempre que falam isso, tirando a Paulete, falam de uma forma positiva. Claro, pra amenizar. Meu pai falou da forma mais positiva possível! Ajuda, sim. E eu sempre fiz assim, quando dava, me deixava acreditar muito fácil, também. É o jeito. Tem que tentar encarar sempre do melhor prisma possível, pra situação ficar menos difícil de lidar. Ou melhor, ver o lado bom das coisas, né? E nesse caso, o lance era pensar no fato de que o tumor tinha sido extraído.
                Não me lembro bem dos momentos logo depois disso. Assim, as horas, primeiros dias, logo depois que eu me vi sem intestino. É que eu estava bem doido ainda, eu acho. Aquelas coisas que rolam quando eu fico num nível de consciência meio alterado. Eu não conseguia dormir nem a pau! Via um monte de coisa. Se eu fechava o olho, vinha uma cor marrom, ficava tudo escuro. E essa parada marrom ia se afastando, e conforme se afastava eu via que era um gorila gigante, tipo King Kong. E eu estava me afastando dele. Então ele ficava cada vez menor. Mas se eu fechasse o olho, começava tudo de novo. No começo até achei legal, depois que passou o medo. Eu pensava "ah, já fiquei assim antes, eu lembrava, e dessa vez eu vou aproveitar!" Mas na sétima vez que eu comecei a me a incomodar. É, porque eu fechava o olho pra tentar dormir, e lá estava eu saindo do ombro do King Kong. Eu tomava um lance forte pra dormir. E com muito tempo sem dormir, você começa a sonhar acordado, eu acho. Ainda mais com uns remédios tarja preta e morfina. Dessa vez, eu me lembro de estar olhado pro Dudu, e ele está lá embaixo, na poltrona da UTI. Tipo, uns quatro andares pra baixo.
E o que mais me deixava maluco era que não parava a música da UTI. É, porque na minha cabeça, tinham acabado de reformar o hospital. Afinal, era um novo Sírio Libanês, ao lado do aeroporto de Guarulhos! Não sei se falei isso já, mas eu achava que o hospital era em Guarulhos. E ficava impressionado como o pessoal ia pra casa e voltava tão rápido! A Jack, que chegava falando que tinha ido de ônibus... Mas o doido é que eu não comentava isso com ninguém. Só pensava em quão estranho era isso, e boa! É, porque se eu falasse, alguém provavelmente falaria “não viaja, animal, o Sírio é perto de casa e não reformou nada!”
Mas, enfim... E nessa reforma tinham colocado aqueles adesivos de taxi, nas portas de vidro dos quartos da UTI. E esses adesivos eram capas de discos antigos de rock, e cartazes de filmes. Tinha Pulp Fiction, Dona Flor e seus dois maridos, Carandiru... E de música, eram os álbuns que tocavam o dia inteiro. Até o meio dia, tocava rock e música brasileira, e até meia noite, rock gringo. Raul, Cazuza, Beatles, Rolling Stones, Gilberto Gil, Alceu Valença, The Mamas and The Papas – que eu só fui ouvir um cd inteiro depois dessa internação. Tinha inclusive uma música que não existe, na verdade. Fui descobrir depois. Eu pedia pro Du procurar no Google, e falava até o nome dela pra ele. Chamava Pedro Brasileiro. Eu queria muito lembrar a letra. Era um lance como uma competição de músicos. De um lado era Fagner, Alceu, Zé Ramalho, Almir Sater, Elba e uns outros. Do outro era Gil, Caetano, Chico, Gal... e mais outros da tropicália, como Mutantes e Tom Zé. Não lembro direito. Era meio que um repente em grupo! Um grupo desafiando o outro. Mas sem o ritmo do repente. E lembro que a Gal era amiga dos dois grupos, e que no fim, sempre eles terminavam amigos! Do som gringo, a competição era menos original, entre Beatles e Rolling Stones. Tipo, os Beatles eram os bonzinhos e os Stones, os do mal. E tocava Black Sabbath, Led Zeppelin e AC/DC também! É meu, não tinha nada de samba ou chorinho no meu sonho. Era mais rock´n´roll, mesmo! rs.
E também, no começo achei legal. “Nossa, olha a sonzeira do Sírio! Vários adesivos legais! Olha esse Paulo Hoff, meu!” rs É, porque tocava um monte de músicas que eu gosto. Claro, era meu sonho! Doido isso! Se você for pensar, acho que era a forma que meu inconciente, muito gente boa, achou pra amenizar meu sofrimento. Pondo música boa pra eu ouvir e me distrair. Eu não gostava de por a mascara de Bipap, porque era muito barulhenta e eu não ouvia as músicas. Mas depois, comecei a ficar de saco cheio das músicas. Porque eram as mesmas todos os dias. Na mesma ordem. Eu sabia que horas eram no dia, mais ou menos, pelas músicas que estavam tocando. E isso me lembrou uma viagem que fizemos, pra Praia da Ferrugem, no sul. Eu, o João, o Luciano e o Pimenta. Há uns 10 anos. Ninguem tinha relógio, a gente sabia que horas eram na balada, pelas músicas. Acho que em dez dias de balada, tocou sempre a mesma sequência! Era a época que surgia aquela do “vô passa cerol na mão...” E tocava também uma outra muito ruim, do “papo de jacaré”, que era até engraçada, de tão ruim! Mas tocavam músicas boas também... Enfim, lembrei disso durante essa “viagem” no Sírio.
E essas músicas não me deixavam dormir, né. Me lembro que eu pensava “ih, já tá tocando Barão, daqui a pouco as enfermeiras entram pra tirar os sinais vitais, e eu não consegui dormir nada, saco!” E eu fiquei muitos dias sem dormir. Ou “Opa, tá tocando Beach Boys, é hora das visitas!” Sério meu, e isso rolou por vários dias. Tocava Raimundos também. Sabe aquela do banquinho da bicicleta? rs Ah, eu achava que estava sempre mudando de quarto. E gostava, pois aí via os adesivos dos outros quartos e tal.. Eu achava muito curioso isso. Ficava pensando "que legal, o Sírio se tornando um lugar mais agradável, distraindo os pacientes... Deu certo!" rs 
Então é isso, depois eu continuo! Valeu aí, e um beijo e um abraço pra todo mundo!

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