Faala!
Então, esses últimos dias estão sendo bem... puxados, vai, vamos chamar assim. Não gosto de pensar que agora era pra eu estar aí no Brasil, na minha casa, a única que eu chamo de lar, mesmo. Eu tenho uma casa aqui, onde até me sinto bem, afinal dia dois de março completo seis meses aqui. Mas não tem jeito, meu lar é mesmo na Bandeira Paulista, 147, apto. 104, São Paulo. Foi lá que eu nasci, cresci, me desenvolvi e virei eu. É muito difícil lidar com a falta desse lugar. Eu não uso, acho que nunca usei essa palavra “lar”. Mas uso agora por todo o significado que ela traz, no sentido de porto seguro, acolhedor. Enfim, ela simboliza, de certa forma representa, tudo o que deixamos pra trás para eu ter minha vida de volta. Todas as pessoas que amamos, toda a rotina que, por mais corrida que fosse, sempre terminava ali, na Bandeira Paulista. É muito doído pensar que a essa hora eu poderia estar dormindo na minha cama, na minha casinha.
Mas não, ao invés disso, estou aqui na cama do hospital, e minha mãe nessa poltrona “quero-ser-cama-mas-não-consigo”, aqui do meu lado. E eu continuo naquele esquema, se dá pra complicar um pouquinho, eu já aproveito e complico bastante! Dessa vez foi o seguinte: ontem (sábado) vazou um monte de porcaria (pra ficar em termos mais polidos) pelo buraco do dreno. O dreno não estava drenando nada. Eu acordei as 5h da manhã, todo sujo, com o curativo “nadando” em... porcaria, né, vamos manter a classe! E tinha uma enfermeira do meu lado, com uma cara de... ânus, vai, e falou: “é eu estava esperando você acordar”. Como assim, esperando eu me sujar mais? É, porque a cama estava suja, se eu virasse pro lado ia ser uma beleza! Mas tudo bem, eu comecei a me limpar. A enfermeira não mexia um dedo, se minha mãe não estivesse ali pra me ajudar, eu estava ferrado. Essa inútil dessa enfermeira ficava chamando outras enfermeiras pra mostrar e dizia: “olha, você está vendo, é isso que está saindo, olha só”. Sei lá se ela estava com medo de ser a responsável por algo. Só sei que ei me senti um palhaço no circo. Ela chamou umas quatro enfermeiras, e todas olhavam, faziam a cara de ânus e saíam. Eu fiquei um bom tempo me limpando. Porque mesmo depois que terminei, eu apertava em volta e saía mais coisa. Então fiquei apertando até parar de sair, senão não daria pra fazer um curativo. E eu queria tirar a roupa que estava bem suja, nojenta. Acho que demorou quase uma hora. E como não tinha mais roupa limpa, peguei uma calça do hospital, mesmo. Olha, foi um jeito muito gostoso de acordar.
Umas 7h chegou um médico. É um eslovaco muito gente fina, mas o inglês do cara é pior que o meu! Ele parece que está bravo, os dentes não se desgrudam enquanto ele fala, é muito difícil entender. Ele chegou, viu a treta e falou que precisaria cortar pra ver direito porque o dreno não funcionava. E fez isso aqui no quarto mesmo. Me deu umas injeções de anestesia local e meteu o estilete. Odeio essas anestesias locais. Você sente tudo, anestesia só mais ou menos. Eu não olhei, mas parecia que ele estava mexendo com o dedo, sei lá. Ficou uns vinte minutos fuçando. Doía bem. Minha cama ficou toda suja de sangue. E ele pediu pra eu fazer uma tomografia. Fiquei então tomando contraste, e também uma dose de potássio, eu acho. Meu, isso é horrível, é puro sal, muito mesmo, disparado a pior coisa que já bebi. E lá pra umas 11h30 fiz a tomografia. Um pouco mais tarde, o médico veio e falou pra eu não comer mais nada, pois o caso era de cirurgia. Meu intestino tinha uma fístola (é um buraco). Eles teriam que me abrir, pois estava vazando merda do meu intestino. E tentariam fechar esse buraco. Mas principalmente, iriam limpar, pois era isso que estava me causando tanta febre e poderia gerar uma infecção perigosa. Antes de eu ir pra cirurgia o Rodrigo veio aqui. Disse que provavelmente essa fistola tinha sido gerada durante a última colonoscopia. O cara que fez foi sem noção. Na hora de jogar ar, ou água, ele fez com uma pressão muito forte. E como eu tinha acabado de tirar a borseta, a região estava frágil, com pontos, e acabou abrindo um buraco ali. O Rodrigo falou que iria tentar fechar esse buraco, mas que não seria fácil, pois o meu intestino estava muito danificado, e talvez não agüentasse os novos pontos. Seria como dar pontos em uma manteiga, ele disse. E havia o risco de precisar colocar de volta a borseta! Essa hora eu fiquei com medo. Logo depois eu fui pra cirurgia. Durou quase cinco horas. E quando acordei, ainda na sala da cirurgia, queria saber o que tinha acontecido. E as enfermeiras: “não podemos falar, sua mãe esta informada, logo você vai pro quarto e fala com ela”. Aí eu comecei a me “examinar” e vi um tubo saindo do meu nariz, um da minha anaconda, um dreno na barriga, e um puta curativo gigante na barriga. Pensei: “fudeu, com tudo isso aqui, deu merda, certeza, e essas enfermeiras não querem me dar a notícia. Se fosse notícia boa elas falavam!”
Aí eu fui pro quarto e conversei com a minha mãe, que tinha falado com o Rodrigo. Ele falou que foi uma cirurgia muito difícil, mas que não precisou colocar a borseta de volta. Quando ele disse isso, ela deu um puta abraço nele! hahah Tadinha, estava desesperada. Era o que ela estava com mais medo. Eu também. Ele falou que teve que tirar um pedaço final do meu intestino. Pelo gesto com a mão, foi uns 10 cm. Pois é, mal coloquei o intestino novo, e já teve que tirar um pedaço. Mas não foi nada de tumor, foi o imbecil do cara da colonoscopia, que fez o exame com uma delicadeza de açogueiro! O Rodrigo aproveitou e olhou os órgãos, disse que está tudo ótimo, mesmo o intestino, que só ficou um pouco menor. O Tubo no meu nariz é um dreno, pra manter meu estômago vazio. O lance na minha anaconda eu tirei hoje a tarde. Só que, agora, arde pra caramba pra fazer xixi. Mas sussa, isso rola em toda cirurgia, e vai melhorando aos poucos. O tubo no nariz ainda vai mais uns dias, assim como o dreno aqui onde estava a borseta. E estou naquele esquema sem poder nem beber água. Devo ficar mais uns dias assim também. Só no soro, um monte de antibiótico e os remédios que eu já tomava. Pra dor eu estou tomando 8mg de morfina, a cada três horas.
Mas o pior de tudo isso não é nada no físico. Eu sei que vou ficar bom. O que me deixou mal é que atrasou ainda mais minha volta. Eu sei que agora deveria pensar mais é na minha saúde, na recuperação e tal. Mas não consigo. E ele não falou de quando posso voltar, mas já disse que antes do meu aniversário é impossível. Isso foi foda. Eu tinha muita esperança de passar meus 30 anos aí! As vezes parece que não vou voltar nunca! É impressioante! Agora eu fiz uma cirurgia, que só pode ser considerada pequena se comparada a um transplante! Então tem um tempo de recuperação, aquela encheção de voltar a comer, dor na barriga, o corte. É começar do zero, de novo. E daquele jeito, respeitando o tempo lerdo do corpo. Não adianta ter pressa. Mas é difícil. Como não ter pressa? Rola um descompasso enorme entre o corpo e a cabeça. E eu fico o mais perdido no meio disso tudo. Eu tento, mas é muito difícil estabelecer uma harmonia aqui. E eu continuo sem saber quando eu volto, mas agora com prespectivas bem piores. Sei que não devia ficar pensando nisso, me concetrar na minha recuperação e tal. Mas é impossível! Não tem como! Ainda mais hoje, que era pra eu estar na minha cama, do lado de quem eu amo. É como minha mãe disse, parece que não cansam de testar nossa força. É uma paulada depois da outra. Não sei mais nem o que falar, porque eu já estava bem triste com isso no começo da semana. Mas agora o tombo foi ainda maior. Ao invés de entrar na sala de embarque do aeroporto, eu entrei na sala de cirurgia.
Bom, por enquanto é isso. Torçam aí pra não acontecer mais nada de ruim! De verdade, não digo isso pra voltarmos logo. É que não estamos agüentando tanto tapa na cara assim. Está demais. Quando a gente acha que acabou, vem uma mão mais pesada ainda! Vou dormir, porque logo mais vem a enfermeira tirar sangue. Todos os dias, as 4h30, tiram sangue pra exame. E eu estou muito mal-humorado, então não vai ficar muito agradável esse texto. Melhor parar aqui, até porque já escrevi demais, né!
Valeu todo mundo. Um beijo grande!