terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

EPOPÉIA 7

Faaaaala!
                Então, hoje eu não tenho novidades. Só fomos no hospital rapidinho. Era um hospital diferente. Chama Simon Cancer Center. Na verdade é um anexo ao Indiana University Health, que a gente sempre vai. É uma parte nova. Super bonito lá. Eu tinha uma consulta pré-operatória. Não tinha noção o que seria, achei que fariam uma porrada de exames e tal. Mas nada. Só ficaram fazendo perguntas. Mas muitas perguntas. Quiseram saber de cada cirurgia que eu fiz. Desde a primeira, até a de retirada do intestino. Os motivos, recuperação, datas, tempo de internação. Tudo! Não sei o porque. E, além disso, tinha a curiosidade da médica e das enfermeiras. Elas ficavam impressionadas quando eu contava. O engraçado é que é um hospital com câncer no nome! Mas nossa, quando falei da última cirurgia do intestino, elas não acreditaram: “Nossa, sério, e aí, como você fez depois?”. E eu: “Ué, fiquei sem intestino!”. Brincadeira. Heheh. Eu não respondi isso. Foi só uma daquelas respostas que vêm na cabeça, mas você desencana de falar. Mas, na verdade, nem me importo tanto, aproveitei pra treinar o meu inglês! Eu estava é feliz que não iriam que furar minhas veias hoje, isso sim! Aí elas deram as instruções pra cirurgia de quarta-feira e pronto, fui embora! Agora só volto na quarta-feira pra tão falada e esperada e idolatrada, salve-salve, cirurgia de retirada da borseta! Aí sim! Os dias de coisas saindo pela minha barriga estão contados!
Eu vou aproveitar a falta de assunto pra continuar a epopéia. Eu estava falando do sonho doido lá, né. Eu já disse, mas repito. Não lembro direito, então pode ser que fique meio confuso, já que eu não consigo organizar direito, são imagens meio soltas na minha cabeça. Mas vamos lá. Era a parte em que eu estava naquela pousada e minha família estava comigo, tensa em minha volta e eu não entendia nada. Eu estava tranqüilo, esperando pra ir embora. O Daniel foi até a recepção e começou a quebrar o pau com o pessoal. Era em um balcão. Ele apoiou os braços no balcão e mandou ver! E eles falaram que pra eu sair, tinha que alguém ficar no meu lugar. O Daniel então foi o escolhido. Ou se escolheu, sei lá. Lembro que isso foi meio tenso, mas que eu não podia ficar, ele tinha que ficar no meu lugar, mesmo. Aí eu fiquei tranqüilo. Meio com peso na consciência, mas o Daniel iria se virar lá, e no fim tudo ia dar certo, eu pensava.
                Aí minha mãe chegou. E começamos a dar voltas pelas praias. Fomos em uma casa, que tinha um mezanino, vários andares. Tinha uns gatos e uns peixes pelo lugar. Mas não sei se era uma casa. Na verdade, lembrei agora, estava tendo meio que uma exposição, mas só tinha a gente lá. A gente ficava andando por ali. Só uma observação: No réveillon anterior a isso, eu passei em Ilha Bela, na casa da Jú, amiga da minha irmã. Amiga da família inteira, na verdade, né! E ela estava lá também. Acho que até a mãe dela estava junto. Mas eu ficava muito com minha mãe, nessa parte. E tinha alguma coisa tensa no ar. De lá nós fomos pra casa da Jú. E aí é confuso, mas tinha uma brincadeira que todo mundo fazia. Era uma bolha de ar, que cada um fazia a sua, com um canudinho e entrava dentro. Todo mundo se divertia pra caramba. Ficavam flutuando pelo lugar com a bolha. Mas eu não, porque tinha um jeito certo de respirar dentro dela. Mas eu não sabia, e minha mãe também não, mas sabia melhor do que eu. Eu lembro que estavam lá a Jack, a Stella o Dudu e uns amigos da Stella. E o lance era ficar flutuando e tal. Mas era muito desafiador pra mim aquilo, eu ficava super tenso no lance da respiração, dava uma sensação muito ruim, que eu não ia agüentar. E eu não podia fazer a brincadeira parar, não conseguia sair da bolha. E ninguém estava tenso, estavam todos curtindo, rindo e tal. Uma hora a gente entrou com a bolha em uma piscina. Eu era o único que estava odiando aquilo, mas não podia fazer nada, acho que tinha alguém que podia me ajudar, e eu ficava indo atrás, mas nunca alcançava, ou nunca me fazia ouvir. E todos ficavam tentando me explicar o que eu tinha que fazer, mas não rolava, eu não conseguia, e ia ficando meio desesperado, sem ar. Era muito ruim.
                Acho que isso devia ter relação com o lance de eu estar respirando por aparelhos, com o pulmão pifado, durante o coma que estava rolando. Faz sentido, né. Todo mundo respirando tranqüilo e eu lá, penando pra não parar de respirar. Bom, daí uma hora aquilo acabou. E quando eu vi, tinha todo mundo sumido e eu estava sozinho. E fiquei perdido, preocupado, já que tinha que voltar pra casa, pra ir visitar a Stella na Austrália, lembram? A gente estava com passagens compradas pra visitar minha irmã lá, sendo que ela mora há mais de dez anos no Reino Unido?
                Eu não lembro muito bem porque, mas aí eu comecei a rodar por vários lugares. Sempre querendo voltar pra São Paulo, mas indo cada vez pra mais longe. E assim começou minha viagem pelo Brasil. É, porque eu rodei o Brasil inteiro nesse sonho doido. Primeiro fui pro Rio Grande do Sul, em alguma cidadezinha. De lá acabei em Florianópolis. E essa parte foi estranha. A irmã da Jack, a Fernanda, era dona de um bar lá, na época. Mas eu nem a conhecia ainda, só de ouvir a Jack falar. E aí eu fui lá conhecer. E lembro que me senti muito mal porque, não sei por qual razão, mas eu estava de pijama. E o bar era na praia, estava todo mundo de bermuda de nadar, sunga e tal, e eu de pijama! Fiquei muito sem graça. E a Jack não estava junto. Lembro de na hora pensar “nossa, estou conhecendo a irmã da Jack de pijama, depois tenho que explicar pra ela o porque!”. Heheh. É, porque tinha um motivo pra eu estar de pijama.
                Mas eu fui embora logo. Achava que estava queimando meu filme! E no caminho eu fui atropelado. E foi feio o lance. Aí peguei uma carona com quem me atropelou e, quando fui ver, estava em algum lugar do Nordeste. E eram sempre cidades do interior. E todo lugar em que eu chegava, procurava um telefone para ligar pra casa e avisar, pedir ajuda, já que ninguém sabia onde eu estava. E eu ia ficando cada vez pior, mais fraco. Depois eu fui parar no interior do Mato Grosso. Lá, eu arrumei um trabalho como boiadeiro. Eu tocava umas boiadas. Sério! Eu tinha que tocar cinqüenta bois e em troca recebia um almoço. Eu estava muito mal, mas não tinha outra opção, já que eu não conhecia ninguém lá e tinha que me virar. Mas logo na primeira vez, eu levei os bois e, ao chegar lá, o fazendeiro contou e viu que só tinha 49, um tinha fugido. E o porra do cara então me despediu e não me pagou o almoço. Nossa, lembro que fiquei puto! Por um boizinho! E eu estava morrendo de fome! Mas não falei nada porque era meio complicado o lance lá, o cara tinha uns capangas que ficavam me encarando feio. Aí eu tive que sair. Peguei outra carona e fui pra algum lugar, acho que no interior de Goiás. Ou Tocantins, sei lá. Só sei que era algum lugar no Centro-Oeste... se bem que Tocantins é Norte... Mas é ali no meio do mapa! Ah, era alguma cidadezinha ali no meio do Brasil, pronto!
Eu lembrava até o nome da cidade antes, mas agora já esqueci. E lá fui parar na casa de um casal de velhinhos. Eles eram iguaizinhos a um casal que, numa viagem quando eu tinha uns 17 anos, alugou uma casa pra mim e pra uns amigos, em Trancoso. Sabe aquele casal do bom velhinho e da boa velhinha, que ficam na frente da casa sentados em um banquinho olhando o movimento?  Era esse casal! E a velhinha ficou assustada com meu estado e decidiu cuidar de mim. Lembro que foi um puta alívio, eu estava com muito medo porque estava me sentindo muito mal, mas não tinha pra onde correr. E essa velhinha me recebeu na casa dela. Era uma casa bem humilde. Eu fiquei no quartinho, na cama do filho deles. Era uma cama de palha. E ela era muito boazinha, tinha muito carinho comigo. Mas eu fui ficando noiado, porque ela tratava com chás, e eu não conseguia comer nada. E eu ficava pensando que eu estava muito mal, nunca iria melhorar só com chá. E no dia seguinte apareceu o filho dela. Devia ter uns 30 anos. Ele falou que estava indo pra algum lugar e que me deixaria na rodoviária, se eu quisesse. Mas eu tinha que levar o filho dele no colo. Eu concordei na hora. Aí quando fui ver, o cara tinha um pau de arara! E eu teria que ir na caçamba, junto com um monte de galinha, porco, coelho... um monte de bicho e seus cocôs! Meio fedido o lance. E com o filho dele, que era bebê, no colo. Eu fui né, mas com muito medo, pois não conseguia nem ficar sentado direito, e tinha que segurar o bebê. Eu ficava pensando o tempo inteiro que aquele cara era louco de confiar a mim o seu filho, daquele tamanho!
Penso que aquele bebê representava a minha vida. Se eu o deixasse cair, eu morreria. Me lembro que era a coisa mais importante no mundo não derrubar a criança. Eu acho que teve isso sim, deve ter sido um momento meio tenso da minha luta pela sobrevivência. Meio metido falar “luta pela sobrevivência”, mas era isso que estava rolando nessa hora, ué. Os médicos dando um monte de antibiótico, pra ver se o corpo reagia, enquanto as bactérias iam avançando com a infecção. E eu lá babando, com aquela tubaiada, pão francês... Tava tenso o lance, mesmo.
Mas eu não cheguei até a rodoviária. Eu estava muito mal, então o cara me deixou em um pronto-socorro. Mas o importante foi que não derrubei o bebê! E era um hospital bem pequeno, com aquele chão de barro batido, vermelho, igual de fazenda. E quando eu cheguei, logo me colocaram em uma maca e se juntaram muitas pessoas em volta de mim, impressionadas com meu estado. Fiquei tomando soro, enquanto esperava atendimento. Eu lembro bem desse lugar, com luzes bem fortes, gente bem humilde sentada, muito mosquito. Mas parece que todos estavam esperando atendimento pra uma gripe e tal, algo do tipo. Eles não tinham como atender alguém tão mal como eu. Não lembro mais o que aconteceu lá. Só sei que fui embora, antes de ser atendido. E não lembro também como fui embora.
E agora, a próxima coisa que me lembro é a cena de eu chegando de taxi ao hospital São Luiz. Como eu não tinha dinheiro pro taxi, o taxista ficou puto e me jogou pra fora do carro. E eu fiquei no chão da calçada, já que não conseguia me levantar. Nessas apareceu o Israel, enfermeiro. Ele que me pegou no chão e me levou pra dentro do hospital. Mas esse cara existia, de verdade, fora das meu sonho. Eu lembro bem dele, muito gente fina. Depois, quando estava já acordado e voltando à lucidez, eu conversava muito com ele. Era ele que estava comigo na UTI quando eu tive alta pra Semi-Intensiva. A primeira coisa que eu falei pra minha família quando os encontrei foi “esse é o cara”, enquanto apontava pra ele. Ele não entendeu nada e ficou sem graça! Heheh. Ficamos bem amigos. Lembro de uma vez que, depois de um mês e meio internado, eu estava vendo na TV um programa desses reality, no Multishow, que eram uns amigos viajando, indo pra praias, cachoeiras, se divertindo e tal. E eu lá, todo podre, morrendo de vontade de um gole d’água. Ele entrou no quarto e quando viu o que eu assistia, falou: “Para com isso, Renato. Você vai ficar mais triste vendo isso tudo e não podendo. Depois quando você sair você vai pra praia e tal...”  E eu estava mesmo bem mal, mas não queria parar de ver, era meio que uma janela pro mundo. Aí, pela milésima vez, implorei pra ele me dar uma colher com água. A orientação médica era de que não podia. Mas eu falava que não tinha problema, que a minha garganta estava tão seca que a água não chegaria nem perto do intestino. E nesse dia ele liberou. Acho que deve ter ficado com pena. Olhou no corredor se não havia ninguém e me deu uma colher d’água. Nossa, e eu estava certo, acho que a água não passou da minha garganta! Mas olha, foi uma delícia esse gole, acho que o melhor gole d’água da minha vida!
E ele então me levou pra dentro do hospital pra eu ser atendido. Eu fiquei esperando, pois estavam todos ocupados. Mas aí me pegaram e me levaram pra algum quarto.
Bom, vou parar por aqui, amanhã eu continuo o sonho! É muito grande. E confuso, né! Então é melhor dar uma pausa! É isso aí! Até mais! Beijo pra todo mundo!

3 comentários:

  1. Cara, acho que você será o velinho que mais terá “história” para contar. Se somar com as cicatrizes então!
    Seus netos terão muito orgulho do avô, assim como nós temos do nosso primo.

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  2. Primo, continue...

    A história tá muito boa! Até amanhã!

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  3. menino...não tinha lido este ainda!!!! tem eu!!! espero que vc não tenha ficado traumatizado com a piscina! ela tá te esperando! hehehehehh

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