sexta-feira, 25 de março de 2011

PARTE 4

Faaala!
                Então, hoje não tem nenhuma novidade! Estamos esperando a consulta da próxima segunda-feira.  Enquanto isso, ficamos enrolando por aqui. Vamos ao shopping, supermercado... Essas coisas. Até ontem estava um tempo bem gostoso. Ontem chegou a fazer 23 graus! Deu até pra darmos umas voltas por aí. Mas aí hoje o dia amanheceu nevando! Estava zero grau! Doido, né, do nada! Um dia 23 graus, no outro zero! Pior que as variações em São Paulo!
                Na segunda passada, eu fiquei observando algumas coisas enquanto esperava a minha vez de ser atendido, lá no hospital. E que acabaram caindo muito bem nesse assunto que eu estou falando. Primeiro, logo que cheguei, encontrei o Jimmy. Lembram? Eu contei a história dele. É o cara que tomou 27 tiros na barriga, sobreviveu, fez transplante e foi preso em seguida. Solto após três anos, parou de tomar o remédio contra rejeição e perdeu os órgãos. Agora está ferrado, esperando que o Estado mude de idéia e resolva permitir a ele a possibilidade de um novo transplante. Resumindo bem, é isso! Dessa vez, o encontrei no corredor, cabelo rapado, magro demais, e numa maca, pois não conseguia nem se mexer. Era uma maca especial. Ao lado dele, dois guardinhas, que não saíam um segundo do seu lado. Na hora, achei que ele tinha sido preso, novamente. De vez em quando a gente vê uns presidiários sendo tratados. É assim, sempre com uns gambezinhos ao lado. Por mais que o cara não consiga matar nem uma formiga. Mas não era o caso do Jimmy. Não dessa vez. Na verdade, o que rolou foi que ele estava internado, nesses esquemas de Rehab, pra desitoxicar e tal. Não perguntei qual era o problema, mais especificamente, pois aí seria muito intrometido! Aí os dois guardinhas estava o levando, pois ele não podia, nem conseguiria, ir sozinho. Meu, nem em cadeira de rodas ele conseguia ficar. Ou seja, o cara não consegue se recuperar.
                E nesse mesmo dia, na sala de espera, me chamou a atenção uma mãe e sua filhinha. Era uma loirinha muito linda! Devia ter uns três ou quatro anos. Ela nasceu com o intestino torcido. Nó nas tripa, né. E, depois, teve que tirar todo o intestino. Igual a mim! Fez o transplante em novembro. Agora deve estar se alimentando por boca, um pouco. Mas, antes disso, nunca havia comido! Aí eu estava pensando: Talvez seja melhor... ou menos ruim. Digo isso porque, dessa forma, ela não sabia o que estava perdendo. Nunca comeu chocolate ou tomou sorvete pra saber como é bom, então não fica com vontade, ué! O que deve ser difícil pra essa menina é lidar com tantos tratamentos, dores, incômodos, bolsa disso e daquilo. Imagina? Se é difícil pra mim, imagina pra uma criança, praticamente um bebê!
A gente já estava lá quando elas chegaram. Foi uma cena estranha. A mãe empurrava o avô numa cadeira de rodas, e o avô empurrava o carrinho de bebê onde estava a filha. Esse cara devia pesar uns 300 mil quilos! Tipo, obesidade mórbida! Não andava por ser tão gordo! A loirinha estava tomando enteral, e logo a mãe a chamou pra tirar. Na sequência, ficou uns quinze minutos colocando um remédio no tubo de nutrição. Enquanto colocava, ela passou mal e vomitou. Aí é que tá o lance. A situação poderia ser muito desastrosa, a menina vomitando no meio de uma sala, de carpete, com um monte de gente olhando. Por isso que me impressionou a atitude das duas. É meio estranho falar em “atitude” pra uma criança dessa idade. Mas é isso! A menina tinha um ar tranquilo, olhando curiosa pra tudo, brincando... simples assim! Quando vomitou, a mãe , rapidamente, pegou uma sacolinha e ficou segurando até ela parar. Aí ela falou: “Acabei, mamãe”. Ela limpou a filha, fechou o saco, analisou o líquido e, na maior calma, foi jogar no lixo. E morreu a situação ali. Nem olharam pro lado. Estavam bem, seguras. Sem nenhum constrangimento. De certa forma, até confortáveis numa situação que tinha tudo pra ser muito chata pra elas. Foi o que me passaram, pelo menos. E claro, não deveriam ficar desconfortáveis. Ninguém vomita por que quer! E depois a mãe pegou um livro e começou a ler, com a criança ao colo. Achei muito bonita a cena.
Elas faziam tudo parecer fácil! Imagina a rotina dessas duas. Aí já uma interpretação minha, posso estar viajando. Minha mãe falou que, outro dia, viu outro bebê, que deve ser o irmão dela. A mãe deve ter, no máximo, uns trita e poucos! E se dedica integralmente. Eu imagino que sejam só elas, mais o avô e o irmãozinho. Sim, porque, se tivesse outra pessoa, com certeza não iria aquele cara, daquele tamanho, pra “ajudar”! Ele não fez nada! Só ficava do lado. Na hora do remédio, não mexeu um dedo. A mão se entortava toda, apoiava a seringa no colo e injetava o líquido do remédio. Era habilidosa. Deve fazer isso há sei lá quanto tempo! E a loirinha estava toda inchada. Deve tomar muito cortisona, que incha tudo. Mas, mesmo assim, era linda! Um olhão azul, forte! Penso, e espero, que ela nem tenha muita noção do que está se passando. Muito menos, acha que tem algum problema vomitar ali. De qualquer forma, fiquei um pouco aliviado. Aquilo tudo não parecia trazer tanto incômodo pra ela. E eu sei como é ruim. Por isso, se vocês falam que sou forte, imagina essa menininha, desse tamanho! Não importa se ela percebe ou não, o bicho pega do mesmo jeito. Ela talvez não se importe tanto com os julgamentos de olhares que rolam, constrangimentos e etc. Essa coisa chata do ambiente social é mais desenvolvida com a idade, né. Criança, não, é mais pura, não entra nessas nossas nóias bestas que a gente tem. E não deveria ter.
Eu contei toda essa história porque me serviram de exemplos pra esse assunto. O lance da estrutura necessária. O Jimmy não tem estrutura nenhuma. Por isso que, mesmo após ser, praticamente, ressucitado, ele não conseguiu seguir adiante. Chegou a ficar zerado! Mas agora está aí, só o pó da rabiola. Porque ele está sozinho nessa. Então, não se pode culpar o cara. Pra mim, não tem como passar por isso sem uma ajuda forte. É sobre humano. Nem ele, nem ninguém. Ele não tem ninguém pra puxar ele de volta nas horas de fraqueza. Se fica depremido, a ajuda que vai receber é um remédio da enfermeira a cada X horas. Enfim, não tem nem um ombro pra chorar.
Já a loirinha, é o contrário. Tem, sim, a estrutura. E essa estrutura é sua mãe. A mulher deve ser forte. Por exemplo, ouvir a filha espernear de dor e chorar. Quando eu estava já sendo atendido, eu ouvia o choro gritado da loirinha. Ela estava fazendo o exame de escope. E não parava de chorar. Depois chorou mais, porque o médico que ela mais gostava, e queria dar um beijo, não estava lá nesse dia. E a mãe ali, em pé, fazendo o que tinha de fazer. Mas se ela desabasse no chão e começasse a chorar, quem iria repreender! Mas não, ela estava forte. Estava vivendo pela filha. E, não sei não, mas me pareceu que ela fazia tudo sozinha. Fiquei admirado, de verdade! Não tinha cara de coitada, de vítima. Estava dando as condições que a filha precisava pra passar por aquilo. Ela era a estrutura da filha! E devia estar faltando pouco para o fim da epopéia delas.
Isso tudo, pra mim, foi um exemplo prático de como faz diferença ter a estrutura. Não precisa ser uma estrutura como a minha. Eu que tenho muita sorte. Se bem que, talvez, por ser um cara de trinta anos, eu tenha mais questões que podem me atrapalhar a cabeça, que uma criança de 3 anos. Mas não importa! A dificuldade é imensa, do mesmo jeito! Mas sem estrutura, não dá. Nem o Jimmy, nem ninguém!
Bom, vou dormir! Amanhã eu continuo esse assunto! Preciso acabar isso pra voltar pra epopéia! heheh Beijo pra todo mundo!

2 comentários:

  1. Falar o quê?
    O mínimo que temos que fazer, é pensar 5837271519 vezes antes de reclamar dos nossos “grandes problemas”.

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  2. Não acho que tem haver com problemas maiores ou menores, mas diz respeito a como lidamos com os problemas. Grandes ou pequenos, o segredo dessa mãe e dessa filha é o como lidam com seus problemas.
    Conseguem enfrentar de frente o que muita gente esconderia, com medo do que os outros vão pensar.
    Isso para mim é integridade consigo mesmo.

    boa maestro, adorei esse post de hoje.
    recortes do cotidiano.
    abs
    du

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