sexta-feira, 11 de março de 2011

EPOPÉIA 15

Ooopa!
                Por aqui, tudo na mesma. O lance agora é só eu voltar a comer. Mas esse “só” é meio chato, porque eu não estou conseguindo comer quase nada. Estou muito enjoado, principalmente antes do fim da tarde. O Rodrigo acha que é pelo tanto de remédio. Eu estou tomando três antibióticos na veia, além de uma porrada de comprimido, E antes disso eu fiquei umas duas semanas sem comer. Aí não há estomago que agüente, né! E outra, eles cortaram a morfina ontem. E como eu tomei muito, rola um pouco de crise de abstinência. E o principal fator é enjôo. Bom, o outro é a dor! Hehe Mas a dor, com o tempo, passa, não me preocupa. Mas, de qualquer forma, amanhã cedo vou fazer um exame de endoscopia pra ver se está tudo certo lá no estômago. O lance agora é esse. Passar esse enjôo e eu voltar a comer. Isso acontecendo ele me libera pra voltar pra casa. Então é isso, a torcida tem que ser pra eu voltar a comer bem! Vamo que vamo, porque não agüento mais ficar aqui. Muito menos internado! Ah, e o Du está aqui. Veio dar uma força pra nós. A melhor parte é que agora ele dorme aqui no hospital e minha véinha vai dormir em casa! Ótimo, né!
                Então vou voltar a contar a epopéia. Parei na época que caiu o cabelo por causa da quimioterapia. Eu fiquei carecão. E sempre invejava quando via umas pessoas no hospital que andavam com a careca à mostra. Eu, não. Não era tão bem resolvido assim. Trabalhei muito minha cabeça nesse sentido, mas não cheguei a esse ponto. Sempre colocava um boné, ou um gorro. Não gostava de todo mundo olhando pra mim em qualquer lugar que eu ia. Teve uma vez, que eu estava indo pra fazenda com a Jack, e a gente parou pra comer. Foi naquele Serra Azul, na Bandeirantes. E quando estávamos só eu e ela, eu ficava a vontade e ficava com a careca ao vento. Muito porque ela insistia que eu desencanasse de todo mundo e tal. E dizia que eu ficava lindo careca. heheh Aí, ao sair do carro, eu esqueci de por o boné, estava calor. E quando já estávamos no McDonalds, a Jack fala, toda feliz: ""que legal que você não colocou o boné, é isso mesmo, não importa se olham..." Achando que tinha sido uma decisão consiente. heheheh Na hora fiquei meio assim, mas logo desencanei. No fim, foi até uma sensação boa, ficar com a careca exposta sem noiar. Fiquei orgulhoso de mim. Acho que a galera que andava com a careca livre, já estava em tratamento a mais tempo. É, porque é um processo, com o tempo você vai se acostumando, naturalmente, eu acho. É que eu me achava muito estranho. Feio, mesmo. E tinha umas pessoas que nem rapavam aquela penugem que nasce na careca. Parece pêlo do braço de quem não é muito peludo. Sabe, aquele pêlo fininho? E com uns buracos. Muito feio! Então eu rapava de tempo em tempo. Passava creme de barbear e metia a gilete. Mas tem um pessoal que tinha um nível de abstração, sei lá, que não se importava nem com isso. Acho legal chegar a esse ponto. Acho que se eu ficasse mais tempo careca eu até poderia evoluir assim. Estava no caminho. Bom, pelo menos estava tentando!
               Teve uma vez que eu fiquei irritado. Eu fazia aula de flauta transversal. É, uma das minhas tentativas de tocar a vida, ao invés de ficar em função do tratamento. E tiha uma aula que era em grupo, de percepção musical. Eu ia sempre com meu gorrinho ou boné. E um dia, uma mina veio e perguntou: "você é careca mesmo?". Quase que eu disse que não, que era igual o Chico César, que rapava do lado e tinha aquela porra na cabeça! E eu falei que sim. E ela pegou e tirou o meu boné, sem nem falar nada! "Olha, você é careca mesmo!" Eu nem respondi, só olhei com uma cara de "o que você pensa que está fazendo?" Porra, a mina nem me conhecia! E eu, trouxa, falei que rapava porque queria. Devia ter falado que fazia quimio, com uma cara bem de coitado, só pra essa idiota se senitr mal. Mas, bobão, fiquei quieto! É que isso foi bem no começo da fase carecão, eu ainda estava com a auto-estima bem fraca. Isso mexe muito com essa parte né, a vaidade e tal. É complicado. Por isso que eu, repito, admiro tanto as pessoas que assumem suas carecas. 
               Bom, mas quando eu voltei pra fazer a terceira semana de tratamento, tinha antes uma consulta. E eu havia feito, dias antes, uma tomografia pra ver como estava o tumor. Nessa consulta, o Paulo Hoff falou que o tumor não havia diminuído. Nem um milímetro, nada! Por isso ele iria parar com a quimio. Pediu que eu voltasse dali duas semanas, quando ele teria definido qual seria o novo tratamento. Aí tem aquela história que eu contei aqui no blog já... que eu fiquei feliz que pararia com a quimio, e aproveitei pra beber e tirar o atraso das restrições.
                Esse foi o primeiro tratamento que não funcionou. Era o primeiro sinal de que esse tumor não tinha solução. No mínimo, não uma solução ao alcance da equipe que me tratava. Voltei dali a duas semanas pra nova consulta com o médico. Ele falou que poderia dar certo o uso de Glivec, além das 800mg/dia de Celebra. Glivec é um remédio usado por quem tem Leucemia, e alguns estudos indicavam que podia funcionar com o tipo de tumor que eu tinha. Era, claro, um teste, não era nada garantido. E o remédio custava a bagatela de R$8.500 reais, por um mês! A primeira caixa tivemos que comprar aqui mesmo, em uma farmãcia especial, pois não tínhamos tempo pra ver nada, eu tinha que começar logo a tomar o lance. Lembro que fui, de metrô, até essa farmácia. Na volta, me sentia como se estivesse carregando vários dólares na bolsa! Maior medo de ser roubado. rs A segunda caixa pedimos pra Stella comprar, pois na Europa era mais barato. Ela mandou e, pra pegar, foi o maior rolo. O remédio ficou parado na alfândega. Muita burocracia! Eu tive que ir com meu pai no aeroporto de Viracopos, em Campinas, pra destravar o lance. Passamos o dia inteiro lá. Quase que a primeira caixa acaba antes de conseguirmos pegar a segunda.
A terceira caixa de Glivec, a gente conseguiu que o governo pagasse. A gente não, né, meu pai. Aliás, se ele não manjasse dessas burocracias, de conhecer os seus direitos e tal, a gente tinha gastado umas três vezes mais do que a gente gastou nessa epopéia. E olha que não foi pouca grana que saiu do bolso nessa brincadeira. Pena que muita gente não deve conhecer esses direitos e acaba se ferrando. Eu fui na Secretaria da Saúde buscar esses remédios. Aliás, é triste a situação lá. Todo mundo meio espremido em uma salinha pequena, sem lugar pra tanta gente e que parece um forno. E era um monte de gente que não está muito bem de saúde, claro, pra ficar naquelas condições. Durou umas duas horas e meia a espera lá. Sorte minha que nessa época eu estava bem!
Esse remédio é uma quimioterapia via oral. Funciona perfeitamente pra quem tem Leucemia. Muitos portadores dessa doença optam por continuar com o remédio ao invés de fazer o transplante, mesmo tendo a possibilidade. A chance de um transplante de medula dar errado é muito grande. E os efeitos colaterais do Glivec são muito poucos. Dá pra viver muito bem com Leucemia tomando com esse remédio. Eu tomava 400mg por dia. Tinha, claro, algumas restrições, mas, a essa altura, eu já estava mais acostumado. E eu podia, por exemplo, tomar umas biritinhas de vez em quando! Heheh O lance era tomar muita água, pois o fígado estava sobrecarregado pelos remédios. Mas essa foi a época mais tranquila desses três anos. Meu cabelo cresceu, eu estava no meu peso, comia tudo o que queria. Posso dizer que eu estava bem, mesmo!
Teve até uma vez que eu fui pra o casamento da Nanda, minha prima, lá em Balneário Camboriú. Nossa, esse dia eu chutei o pau. Tomei vários copos de whisky. Mas fiz um esquema profissa. Pra cada copo de whisky, eu virava um copo d’água antes. Meu, cheguei no final tranquilão. Bêbado, mas sem trançar as pernas e tal. Sei que não era a coisa mais certa a fazer, mas não interromperia o efeito do remédio. Ah, e foi bem legal. Naquele dia eu desencanei de ser responsável, o cara consciente. Isso cansa, viu! E, pelo menos, naquela época eu tinha essa opção. Depois passei muito tempo sem poder barbarizar. E, vale lembrar, eu fazia muito isso. Então, não era assim tão fácil parar, de uma hora pra outra. Hoje não me arrependo. Foi uma extravagância importante pra minha cabeça.
No final de semana seguinte ao casamento, eu comecei a ter febre e dor de cabeça. Mandei um pager e a assistente do Paulo Hoff, Dra. Daniela, retornou falando que a febre de 38.5 C não era nada. Depois mandamos mais uma mensagem, pois a febre chegou a 39 C. Ela disse a mesma coisa, pra eu tomar um antitérmico e boa. Mas aí, no domingo, a febre passou de 40 C. E eu comecei a ter aquelas tremedeiras de novo. Foi bem foda. Meus pais sentaram, literalmente, em cima de mim pra segurar meu corpo. Meu pai da cintura pra baixo, minha mãe na metade de cima. Foi um lance forte, nunca vou esquecer esse momento... muito tenso e triste. É difícil descrever o quanto é ruim ver quem voce ama sofrendo por sua causa. Mas depois eu falo disso, senão não acabo isso hoje! E dessa vez foi o próprio Paulo Hoff que retornou, pedindo que fossemos já pro Sirio. Meus pais ficaram em cima de mim até eu conseguir controlar meu corpo, senão eu não consigo nem andar. Muito menos sair de casa. E dói o corpo quando isso rola. Isso foi em Outubro de 2008, lá pelo dia vinte.
Depois eu continuo, senão fica muito longo esse post.
Um beijo pra todo mundo!

6 comentários:

  1. Primo...

    uns comentários atrasados:
    - parabéns pelos 30!!!
    - achei muito legal o vídeo que fizeram...muito mesmo! Pô, não tem como não chorar com uma homenagem dessas!

    Continue a epopéia...sabe, o lance de "enfrentar a careca" é uma coisa de superação mesmo, dá pra imaginar...

    Sabe, o mais incrível é que tem coisas que mesmo tendo notícia na época do que vc estava passando, é muito diferente ver vc mesmo contando!

    Abração!
    Parabéns denovo ao pessoal que fez o vídeo!

    ResponderExcluir
  2. Renas, complementando o que disse o Dé, é interessante que mesmo fazendo parte do passado, da uma p... angústia (ou sentimento semelhante) ouvir você relatar o que passou.

    Sobre a ter vergonha de passear careca... fala sério! Você tem coragem de exibir um “Black Power misturado com Volverine” e ainda acha bonito!!! Que tal um meio termo??? Rsrsrsrsr

    Ps.: Deu impressão que seu humor está voltando, espero que esteja certo.

    Beijão pro6,

    Pe

    ResponderExcluir
  3. Aê, Renê!

    Além do bom humor estar voltando, notei que você está escrevendo cada vez melhor. Os textos estão ótimos. Só não falo para virar escritor quando voltar, porque acho que é muito pouco para o que você pode fazer pela saúde do mundo. Força, que essa sua alegria serve (e ainda vai servir) de inspiração para muita gente!

    ResponderExcluir
  4. Billy-Billy, meu querido,

    Penso que o ideal mesmo é somar as duas sugestões do João Prata: ser escritor e assim ajudar pessoas com sua epopéia e, pessoalmente, pôr à disposição do mundo essa sua alegria, coragem e vivência. Você,Renas, tem como ajudar muita gente; não só as que passam exatamente pela sua situação, mas todas as que têm que superar qualquer situação "impossível"!

    Anda, meu menino, vembora!

    Bjo, bjinho, bjão...

    Tia Rosa & Cia.

    ResponderExcluir
  5. Oi Renas é a Sophia


    queria ligar para vcs todos os dias , estamos com saudades

    mil beijinhos para todos !!!!!!!!!!!!!!!!

    ResponderExcluir
  6. oi renato parabens atrasado pelo niver muuuita alegria te espera por aqui e mais parabens para toda a familia né? hein silvinha vai ser vovó!
    PARABENS TITIO ...

    PARABENS VOVÓ ...

    beijos da regina celi

    ResponderExcluir